sexta-feira, 14 de julho de 2023

Superlativo

 Eu sempre acho que sou louca por bicho , que minha cachorra é a cachorra mais incrível do mundo , mas. 


Mas depois eu vejo que todo mundo que é louco por bicho também acha que o seu gato é o gato mais gato do universo. 


A partir daí, eu vivo no superlativo da minha vidíssima , juntíssima às cachorrézimas .

( NDoretto)

sexta-feira, 7 de julho de 2023

Torpedos

 

Os torpedos. Com dez reais você comprava 200 torpedos. 
Era 2005 e eu me apaixonava  intensamente. 
E ela também. O aparelho era Siemens. Ela ganhou um Samsung da avó no Natal. 
E os torpedos , avalanche de palavras carinhosas. 
Era telefone fixo ainda. A gente gastava , investia no desejo. Não existia distância.    Minas Gerais é perto.   Eu fui até. 
Eu não me lembro se o hotel foi em Ouro Preto ou Itabirito. Eu sei que fui até BH e de BH para outra cidade , já num hotel combinado. Eu esperava. Ela vinha. E foram dias deliciosos  escondidos da família , do marido , do mundo. 

sábado, 1 de julho de 2023

Cachorro

Outro dia me perguntaram : e daí, como você faz para namorar ,se a cachorra dorme na sua cama ?

Como assim , gente , isso é pergunta que se faça?! Se eu estivesse conversando com uma pessoa ignorante , mas não. Tinha pós graduação . 
Eu respondi: simples , eu só namoro quem tem cachorro. Você Tem ? Não tem. Então , não vou namorar você .
Quem tem cachorro entende melhor.
Quem tem cachorro conversa melhor porque já começa a conversa falando de cachorro.
Quem tem cachorro não faz esse tipo de pergunta .

segunda-feira, 15 de maio de 2023

Café da tarde ( ficção)

Isabel tinha o hábito de lavar as embalagens ; chegava do mercado com sachês de Nescafé , ensaboando um por um. Tinha horror a bactérias , era atenta a isso. Embalagens limpas e prazo de validade . Aqueles sachês de café instantâneo pareciam lâminas. Eram lâminas. O papel era laminado. Cortante. Tomava muito cuidado para não escorregarem entre os dedos cheios de espuma. O noticiário corria solto na televisão : muitos assaltos. Idosos e aposentados eram as vítimas. Ela que se cuidasse. Acabou de lavar as embalagens , enfileirando uma a uma , perto das frutas. O prédio estava trocando os empregados da portaria. Um perigo. A seleção tinha que ser criteriosa. E conferia o prazo de validade dos produtos. Predio pequeno , poucas kitinetes. Quantas vítimas. Ela que se cuidasse. O interfone ganhou voz : - Entrega para seu apartamento. (ela nao tinha comprado nada ) Ouviu o ruído de quem desenrosca a fechadura. o miolo caiu no chão. Dois dedos grandes aparecem pelo buraco. Ela nao exita. : pega a embalagem do café instantâneo e corta um dedo , dois dedos , ele grita de dor. Ela continua sua defesa, passando a embalagem na cara do assaltante ,onde sangrasse mais , no nariz , gritando por socorro. Prédio pequeno , todo mundo escuta. - A senhora está bem ? Ele machucou a senhora? Cortou a senhora? -Não. Eu me defendi como pude. E lavou o sangue criminoso do chão . Vitoriosa , com suas embalagens.

terça-feira, 4 de abril de 2023

Taxa de Embarque

( conto publicado no site das escritorassuicidas em 2014, sob tema dirigido " veio comer na minha mão ". Ficção) Não ia perdoar, não. Também não era pecado pra ser perdoado. Foi sacanagem. Isso ninguém esquece. Ela me sacaneou, puxou meu tapete. Queria num dia, noutro não queria mais. Exatamente assim: surtava, desmanchava tudo, nem aí com o próximo. O próximo estava distante. O celular tocou às onze e meia da noite. Eu acertando o relógio. Eu com a mochila pronta. Eu com o tesão na alma. Eu no voo 4054 para os braços dela. — Oi? — Oi... então, olha, temos um probleminha. Fui num show ontem à noite, conheci um menino e a gente transou. Ele está em casa. Então, não fica legal você vir. Foi assim. O chão abriu e o coração ficou roxo. Um garotão na parada. Dor da porra, indignação e mala desfeita. Assim, tudo foi para o inferno: as palavras e qualquer sentimento que tive um dia por ela. Mais nada. A dor da rejeição não durou mais que 24 horas. Uma mulher apaixonou-se por mim no jogo de bilhar: 42 anos, simpática e cheia de querer cozinhar em casa. Aquilo veio na hora certa, salvou-me por um mês, dois meses, quatro meses. A vida corria solta nas minhas veias, eu feliz na minha rotina. Tanta coisa boa rolando. Amigos. Festas. Colesterol controlado. Rim e fígado filtrando tudo. Que bom. Já nem pensava nessa história. Mas lembrava de vez em quando, um foco embaçado. Ontem abri meu e-mail: susto e calafrio. Aquele nome na minha caixa de entrada: "preciso conversar com você". Vadia, vagaba, não venha zonear minha paz de novo, quer falar comigo, o quê? O que, meu Deus?! Será que pegou alguma doença e vai se matar? Vai ver que foi isso. Daí lembrou das boas trepadas que tivemos e veio pedir perdão. Mas ia me contar isso pra quê? Pra aliviar. Ela é cheia de culpa mesmo, culpa porque trepa, culpa porque não trepa. Tão ruinzinha da cabeça. "Preciso conversar com você, estou corroída de remorso". Corroída de remorso o caralho. O garotão não comia direito e ela queria recaída comigo. Veio comer na minha mão. E me chupou com toda a culpa desse mundo. Funcionava no remorso. — Pronto, agora vou te levar pra rodoviária. Tá perdoada

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

Eu minha

Nunca fiquei tanto tempo em minha companhia e das minhas cachorras. Da minha parte , me dei todo o apoio e suporte. Não me permiti dúvidas nem confusões. Fiz todas as perguntas da minha alma. E assim me esclareço cada vez mais ; e posso me olhar com meus olhos porque estou neles , absoluta. Sem sombra de outrem.